Enquanto o planeta aquece, transtornos mentais como a ansiedade e o TOC ganham força, e especialistas, como a psicóloga Êdela Nicoletti, alertam para a necessidade urgente de apoio psicológico
Um ciclone extratropical está previsto para chegar à região Sul do Brasil nesta quarta-feira (23) e é mais um evento climático que gera preocupação nos brasileiros, que nos últimos tempos têm convivido com situações deste tipo em todo o território nacional, seja com relação a chuvas, enchentes, ventanias, estiagem, queimadas e correlacionados.
O debate em torno das mudanças climáticas e do aquecimento global não se limita mais aos impactos físicos no planeta. As consequências psicológicas desse fenômeno têm se intensificado, revelando um cenário preocupante para a saúde mental de milhões de pessoas. Notícias sobre recordes de temperatura, a extinção de espécies e previsões de que certas regiões poderão se tornar inabitáveis até 2050 estão alimentando um novo tipo de medo global: a chamada ecoansiedade.
Esse fenômeno, que atinge principalmente jovens e adultos, vem crescendo de forma alarmante. Segundo a psicóloga Êdela Nicoletti, especialista em Terapia Comportamental Dialética (DBT), a incerteza em relação ao futuro do planeta está desencadeando altos níveis de ansiedade e estresse. “Muitos pacientes relatam sentir um desespero profundo e uma sensação de impotência diante da magnitude do problema”, afirma Nicoletti, que tem observado um aumento significativo nos casos relacionados a esse tipo de preocupação.
A ecoansiedade se manifesta de diferentes maneiras. Em pessoas já propensas a transtornos de ansiedade, o medo de que a Terra se torne inabitável ou de que catástrofes climáticas iminentes, como inundações, secas ou incêndios florestais, ocorram, pode acentuar fobias e gerar obsessões. Para alguns, isso se traduz em um medo constante de viajar de avião, por exemplo, associando a queima de combustíveis fósseis à destruição ambiental.
Nicoletti explica que indivíduos com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) podem intensificar seus rituais compulsivos como forma de tentar evitar desastres globais. “Observamos um aumento de comportamentos obsessivos, como lavar as mãos de maneira excessiva ou verificar constantemente fontes de informação, acreditando que esses atos podem, de alguma forma, mitigar as consequências das mudanças climáticas”, destaca a psicóloga.
Além disso, a exposição constante a notícias alarmantes sobre o clima — que muitas vezes destacam a insuficiência das ações individuais diante da crise — contribui para o desenvolvimento de pensamentos paranoicos. Nicoletti ressalta que esse bombardeio de informações pode levar a uma visão distorcida da realidade, onde a pessoa sente que qualquer movimento errado pode desencadear uma catástrofe ambiental irreversível. “Estamos vendo uma geração inteira que está perdendo a capacidade de sonhar com o futuro”, alerta.
Estudos recentes apontam que a ansiedade climática pode desencadear sintomas físicos e psicológicos graves, como ataques de pânico, insônia e depressão profunda. Regiões do mundo mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos são as mais afetadas, agravando a sensação de insegurança e falta de controle. Para essas pessoas, o medo de desastres naturais iminentes é constante e afeta diretamente a sua qualidade de vida.
Diante desse cenário, Nicoletti reforça a importância de abordagens terapêuticas que ajudem as pessoas a lidar com essas emoções. A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é uma das ferramentas mais eficazes para ajudar indivíduos a regular suas emoções e a desenvolver uma maior tolerância ao mal-estar gerado pela incerteza climática. “A DBT ensina as pessoas a viverem no presente, ajudando-as a encontrar um equilíbrio emocional em meio ao caos ambiental. Técnicas como a reestruturação cognitiva e a exposição controlada são essenciais para lidar com os medos irracionais”, explica a psicóloga.
Outro método complementar que Nicoletti sugere é o mindfulness, prática que incentiva as pessoas a focarem no presente e a controlarem a ansiedade em relação a eventos futuros que estão além de seu controle. “Mindfulness e meditação ajudam os pacientes a reduzir a sensação de pânico, ensinando-os a prestar atenção ao momento presente e a criar um distanciamento saudável em relação às preocupações futuras”, afirma.
Além das técnicas terapêuticas, Nicoletti destaca a importância de incentivar as pessoas a se envolverem em ações ambientais locais. Participar de campanhas de sustentabilidade, como plantio de árvores e programas de reciclagem, pode ajudar a restaurar o senso de controle e propósito. “Quando as pessoas percebem que podem contribuir, mesmo que em pequena escala, isso gera um impacto positivo em sua saúde mental. O ativismo devolve a sensação de agência e diminui a impotência”, comenta Nicoletti.
Limitar o consumo de notícias alarmantes também é uma estratégia essencial para combater o estresse. Embora seja importante estar informado, Nicoletti alerta que a exposição exagerada a manchetes catastróficas pode exacerbar os sintomas de ansiedade. Criar uma rotina de consumo consciente de informações ajuda a proteger a saúde mental e a manter o equilíbrio emocional.
Por fim, Nicoletti enfatiza a relevância dos grupos de apoio para discutir preocupações relacionadas à crise climática. “Criar espaços seguros onde as pessoas possam compartilhar suas experiências e medos é fundamental para que se sintam compreendidas e apoiadas. O compartilhamento de estratégias e vivências pode aliviar a sensação de isolamento”, conclui a psicóloga.
Com a crescente ameaça das mudanças climáticas, é essencial que políticas públicas sejam implementadas não apenas para proteger o meio ambiente, mas também para fornecer suporte psicológico às pessoas afetadas. O impacto das mudanças climáticas na saúde mental é uma questão urgente que precisa ser abordada em conjunto com as ações para mitigar os danos ao planeta. Nicoletti alerta que “não podemos falar de proteção ambiental sem considerar a saúde mental de quem vive nele. Cuidar da mente é tão essencial quanto cuidar da Terra.”
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